Colar na Prova é um ato de corrupção?
Começarei este Post de forma bem objetiva.
Sim, já colei em provas na escola, cheguei a roubar uma de matemática certa vez, para receber uma nota que precisava para passar de ano, tendo em vista que se a escola perdesse a avaliação do aluno, era automaticamente obrigada a lhe pontuar com o valor acima da média.
Nunca fui bom com números, nem com Fórmulas de química ou de física, todavia nunca pensei em trabalhar na área de exatas. Meu forte era redação, história, geografia e meu objetivo era cursar humanas na Universidade.
Colei muito pouco, porque tinha medo de ser flagrado e sempre tive muito respeito pela autoridade dos professores, embora fosse complicado seguir algumas regras.
Também já subornei um guarda certa vez. Não tinha dinheiro para pagar a documentação do meu carro, estava a caminho do trabalho e precisava chegar a tempo. Paguei 50 reais para não ter meu veículo apreendido. Já avancei sinais vermelhos, já desrespeitei sinalização, mas nunca pus nem a minha vida e nem a de outros motoristas em risco. Procuro sempre andar na velocidade estipulada e seguir as normas de trânsito.
Quando era moleque, assaltei as Lojas Americanas. Enchia meus bolsos de balas e chocolates, até que fui pego pelos seguranças e obrigado a desfilar pela loja com meus “objetos” furtados a vista para que os demais clientes soubessem que ali estava um pequeno delinqüente.
Acho que ninguém é 100% honesto. E creio que existe de fato uma cultura de exaltação a malandragem, que alguns preferem chamar de “jeitinho Brasileiro”. Em todos os setores, de todas as profissões, para todas as áreas.
Sempre há um jeitinho de se conseguir o que se quer, devido a flexibilidade do caráter duvidoso.
Logo, o objetivo deste texto e levar a uma reflexão honesta.
Com tantos movimentos que lutam contra a corrupção, me coube questionar, onde de fato ela acontece em seus primeiros sintomas.
Talvez os pais que ofereçam vantagens em trocas de obrigações de seus filhos. No desejo de vê-los cumprindo com suas tarefas e observando a dificuldade de fazê-los concluir seus deveres, dão algo em troca, o que em tese, já é uma maneira de corromper a criança, a medida em que ela percebe que para obter o que deseja, basta criar alguma resistência ou dificuldade. ( leia-se burocracia)
É um assunto complexo, paradoxal, que envolve conceitos de moral, ética, requintes de hipocrisia, doses de radicalismo e a necessidade de bom senso, para que possamos equilibrar nossas opiniões, de modo que consigamos analisar de forma pragmática, qual o nível de contaminação e até onde NÓS, participamos e compactuamos com o alvo de nosso combate.
É da natureza humana o desejo por usufruir de facilidades, prazeres e privilégios.
Mas também é da condição humana, perceber quando estamos passando por cima de valores sociais importantes para obter de forma desonesta o que desejamos. Nesse momento, a educação, os exemplos, valores e a ciência de que poderemos ou não escapar de uma punição nos guiará.
O inescrupuloso, nem se dará conta dessa possibilidade. Mas há que seja seduzido, pondere e dê razões a si mesmo para abrir mão de certas vantagens e há quem não resistirá as tentações.
Todos nós temos um preço?
Todos estamos sujeitos a ceder em algum momento? De acordo com as nossas necessidades pessoais, objetivos de vida, no intuito de darmos melhores condições as nossas famílias?
O que nos move em direção a ultrapassar o limite entre ser honesto ou optar pela opção oposta?
Apontamos nossos dedos para os políticos, mas esses políticos nasceram, cresceram e desenvolveram seus valores entre nós, o povo. Ninguém nasce pré-determinado a ser corrupto, ou ladrão. São diversas variáveis que influenciam num comportamento que possa ou não prejudicar os demais.
Ao questionar, ontem pela manhã, se colar numa prova seria um ato de corrupção, meu objetivo foi trazer a questão para o princípio de tudo. O momento em que estamos em formação escolar e paralelamente criando nossas primeiras impressões do mundo que nos cerca.
A máxima “Quem não cola, não sai da escola” é passada de pai para filho, entre amigos e até entre professores e autoridades. Não sei dizer exatamente quem foi que concluiu tal método, mas de fato, alguém que se achava mais esperto que os demais. É bom deixar claro que esperteza e inteligência, não são aliadas necessariamente.
Pois, eis que várias respostas surgiram.
Há quem entendesse que SIM, colar é uma forma de corrupção, pois o aluno que burla uma regra, esta corrompendo o sistema ao qual esta regra determina uma conduta. Na medida em que a prova é o dispositivo da escola ou da Universidade, para julgar se o mesmo esta ou não capacitado para seguir adiante em suas etapas, aquele que usufrui de uma atitude considerada ilegal, esta buscando uma vantagem sobre os demais.
Podemos dizer que aquele que cola de outro aluno, esta roubando o conhecimento alheio. Se há conivência, então, ambos estão colaborando para que a regra seja quebrada.
Eis que uma internauta questiona: “Mas e se a cola estiver num papel, ou escrita na pele”? Num pensamento mais rigoroso, pode-se dizer que o conhecimento neste caso esta sendo roubado do livro.
É bom criar um quadro extremo, para que possamos raciocinar de forma clara e pragmática.
Se o objetivo da prova é testar seu conhecimento e você não esta fazendo uso dele para conseguir acertar as questões propostas, em primeiro lugar, quem esta sendo prejudicado é o próprio autor, se levarmos em consideração a importância desses estudos para seu futuro profissional. Se isso for uma prática constante, estamos apontando para um futuro onde este indivíduo, sem qualquer preparo, venha a prejudicar aqueles que dependerão de seus serviços.
Imagine seu filho sendo tratado por um médico que não desenvolveu capacidade suficiente para exercer a profissão?
Talvez um engenheiro que venha a construir um prédio sem saber exatamente como fazer os cálculos necessários?
Um advogado que venha lhe defender, sem qualquer conhecimento profundo do código penal?
Pode parecer exagero, mas, não existem profissionais assim?
Logo, uma mensagem me chamou atenção: “Aquele que sai da escola colando, é o mesmo que recorrerá sempre a outras vantagens prejudiciais ao coletivo para prosperar, tendo em vista a incapacidade de se desenvolver de forma eficiente”
Ainda conto com sua leitura?
Pois bem, nos últimos anos milhares de estudantes foram prejudicados com o vazamento de questões das provas do ENEM. A quem interessa este tipo de acontecimento?
É justo com quem se dedicou meses, estudando para conseguir uma vaga de forma honesta?
Suponhamos que estes vazamentos, não fossem descobertos e os alunos que tiraram vantagens deles conseguissem os lugares nas universidades. Eles teriam obtido tais vagas por mérito próprio ou por métodos desonestos?
Convenhamos que o ensino brasileiro incentiva este tipo de atitude, na medida em que avalia seus alunos de uma forma muito mais voltada para um método de ensino que preza pelo ato de decorar determinadas Fórmulas, equações e datas que muitas vezes, poderiam ser obtidas através do desenvolvimento do raciocínio lógico ou no caso das ciências humanas, pelo despertar do interesse a respeito das matérias em seu entendimento e não por memorização.
Tenho um filho que estuda numa escola Construtivista e a maneira como ele se alfabetizou e a obtenção de seus conhecimentos matemáticos ou históricos, são completamente diferentes da forma como aprendi. Tanto é, que por diversas vezes, tive dificuldades de tirar suas dúvidas, porque o método que usei para explicar não batia com o que ele desenvolveu para obter tais conhecimentos. Posso afirmar que, não cobrei tabuada, nem memorização de absolutamente nada, ele chegou aos resultados por conta própria através dos estímulos oferecidos pela escola. Esta que não o avalia através de testes somente, mas levando em consideração as atividades desenvolvidas na sala de aula, da observação dos professores, dos exercício de casa e de provas que permitem ao aluno eventuais consultas. Como deve ser no cotidiano prático de um profissional qualquer, afinal, ninguém detém o conhecimento completo de tudo.
Considerando ainda que as aprovações automáticas estabelecidas por alguns estados e o crescimento dos cursos particulares que visam apenas acumular alunos e oferecer um ensino “FastFood”, me questiono, que tipo de profissionais estamos gerando para nossos futuros mercados de trabalho.
A educação é a base de uma sociedade. Mede-se a capacidade de uma nação pelo números de pessoas habilitadas a desenvolvê-la. A isto agregam-se os valores éticos, e fica praticamente impossível construir uma sociedade saudável onde todos pensam em levar vantagem o tempo todo, uns sobre os outros.
No Índice de desenvolvimento humano divulgado recentemente pela ONU, o Brasil aparece no quesito EDUCAÇÃO, empatado com países de péssimo desenvolvimento, como é o caso de Gana. Onde a média de tempo de um indivíduo na escola chega apenas aos 7 anos. Praticamente todos os países sul-americanos tem em seus quadros educacionais, percentuais acima dos 60% quando observados os alunos que chegaram a uma universidade. No caso do Brasil, estamos na media dos 35%.
Melhoramos nos últimos 10 anos?
Sim, mas ainda estamos muito longe do que se pode chamar de algo aceitável.
Se existe esse déficit relacionado a nossas escolas, educadores e outros serviços Básicos, não tenha dúvida de que esta diretamente ligado aos baixos investimentos em nossos jovens e crianças e fatalmente conectados com os desvios de verbas e de caráter de nossas autoridades competentes. A corrupção é um ralo sem fundo que tira do nosso país a chance de nos desenvolvermos de maneira magistral, pois recursos naturais e financeiros, nós temos de sobra.
Se você concluiu a leitura deste texto, acredito que tenha entendido que esta tudo absolutamente interligado. Desde a falsificação de carteiras de estudantes para pagar mais barato no acesso ao que deveria ser de incentivo do governo com relação a cultura, a todas as burocracias que engolimos para obtermos acesso ao que deveria ser simples. Burocracia alimenta corrupção, vence pelo cansaço. Não esta errado quem diz que o sistema instiga o cidadão a ser um criminoso, mas aquele que se entrega a esse mecanismo e aceita fazer parte, deve entender que esta colaborando com a manutenção do mesmo.
Uma mudança estrutural democrática é fundamental para que possamos alterar este quadro. Todavia, aqueles que possuem este poder, não parecem ter nenhum interesse em abrir mão de suas regalias e atuar a favor do povo. Democraticamente, conseguem prosperar usufruindo de um caminho que induz a todos nós pela opção da vantagem sem medir os custos.
De modo que, da cola na prova, ao desvio de verbas públicas, a diferença é só a oportunidade, quando não se pode dar valor ao que se conquista honestamente numa nação repleta de espertos.
Quem nunca cometeu um pequeno delito, que atire a primeira pedra. E quem percebeu que alimentar esta conduta equivocada, que use essa pedra para começar a pavimentar um novo caminho.
Ou então...
Deixa que eu deixo.
